CÃO QUE LADRA...

Foi como um anseio que urgiu em ser dito. Um desejo súbito de transpor em palavras a vontade latente de um corpo meio acordado/meio adormecido. Uma pauta pronta que surgiu em minha mente constate e incansável numa madrugada a esmo dessa vida monótona.
Senti vontade de gritar, de lançar mão de pudores e embaraços para colocar com o requinte da retórica o anseio do corpo.
Existe um ditado em que diz “cão que ladra, não morde”. Essa noite o cão vai ladrar...
Acredito que há uma besta dentro de cada pessoa. Um ser forte e poderoso dentro da essência de cada ser humano, e que só aparece nos momentos de maior necessidade e emoções cruas. Hoje a minha besta ladrou, uivou para a lua, urrou de vontade e gemeu em silêncio encoberta pela sutileza da noite.
Ficar reclusa em meu próprio domínio me fez criar uma redoma de sonhos, vontades e segredos que só os confins da minha mente podem perambular com liberdade. Ter uma imaginação fértil numa noite de clausura só estimula esse lado adormecido, porém ainda vivo dentro deste indivíduo sozinho que me encontro hoje.
Sentir a presença de um corpo além do meu, libertaria demônios de uma caixa de Pandora que nem a mitologia grega ousa em mencionar. A vibração das carnes trêmulas de um ser sucumbido pelo sonho de imagens reais trás a superfície sentimentos e mistérios desconhecidos pela natureza humana e que só chegam à uma resposta depois do último suspiro de realização e deleite.
A cama e travesseiro não bastam para conter essa cena de cores tão vívidas. Gostaria de gravar com as unhas na pele um conto digno do burlesco e do carnal. Mostrando que ações e palavras caminham em busca de uma só verdade – expressar o que o corpo, a mente e a alma confabulam num leve sono que não chega nunca.
Só de forma escrita essa besta pode voltar ao seu confinamento solitário, e é escrevendo que volto a trancar aquela que me revira, me atiça, me atordoa e impressiona numa simples alvorada de abril.